terça-feira, 19 de julho de 2011

Assessores de Murdoch tentaram evitar escândalos por muitos anos


The New York Times
Escutas telefônicas que forçaram fechamento do News of the World, no entanto, expuseram problemas da News Corp. de maneira única
Foto: AP
Dois dias antes da notícia de que o News of the World havia grampeado o celular de uma estudante assassinada, que deu início a um escândalo que abalou o império de mídia de Rupert Murdoch, seu filho James disse a amigos que achava que o pior dos problemas tinha ficado para trás. E ele estava confiante de que oferta de US$ 12 bilhões da News Corp. pela empresa British Sky Broadcasting (BSkyB) seria aprovada.
Agora, depois de seu tenente mais confiável, Rebekah Brooks, ter sido presa por suspeita de adotar a prática de escuta telefônica e pagar à polícia para obter informações, a oferta de compra ter sido abandonada, o jornal News of the World de 168 anos ter fechado e outros nove terem sido detidos, Rupert Murdoch e James enfrentaram um Parlamento britânico enfurecido nesta terça-feira. Um espetáculo que colaboradores mais próximos de Rupert Murdoch passaram anos tentando evitar.
Entrevistas com dezenas de pessoas envolvidas no escândalo de escutas telefônicas, inclusive funcionários atuais e antigos, fornecem uma visão interna de como um pequeno grupo de executivos adotou estratégias ao longo dos anos que tiveram o efeito de obscurecer a extensão dos delitos na redação do tabloide mais vendido da Grã-Bretanha. E, uma vez que o escândalo de escutas telefônicas tomou maiores proporções, eles agiram em vão para evitar os danos.
Evidências indicando que o jornal News of the World pagou à polícia por informações não foram entregues às autoridades por quatro anos. Sua empresa-mãe pagou grandes somas de dinheiro para aqueles que ameaçaram uma ação legal, pela condição de silêncio. O tabloide continuou a pagar repórteres e editores cujo conhecimento poderia ser constrangedor mesmo depois de eles terem sido demitidos ou presos. O computador de um editor foi destruído, e as evidências registradas em email perdidas. Conselhos internos para que aceitassem a responsabilidade foram ignorados, segundo ex-executivos.
John Whittingdale, membro conservador do Parlamento e presidente do comitê para quem Murdoch se apresentou nesta terça-feira, disse que a empresa precisa declarar a profundidade dos delitos, quem os autorizou e quem sabia o que e quando. "O Parlamento foi enganado", disse Whittingdale antes da audiência. "Essa vai ser uma discussão longa e pormenorizada".
Murdoch já havia indicado que cooperararia. "Achamos que é importante estabelecer absolutamente a nossa integridade aos olhos do público", disse ele na semana passada. "É melhor ser o mais transparente possível".
O representante de Brooks, David Wilson, disse que ela mantém a sua alegação de inocência e aguardava ansiosamente a chance de limpar seu nome, mas se recusou a responder perguntas específicas.
Conforme poucas revelações se tornam uma enxurrada, a empresa mudou de uma postura de contenção para modo de crise. Brooks e outros inicialmente falaram, o que acredita-se ser verdade, que outros jornais também haviam adotado a prática de escutas telefônicas e tentaram desenterrar evidências para provar isso, mostram as entrevistas. Em uma reunião privada, Rupert Murdoch advertiu Paul Dacre, editor do jornal rival Daily Mail e um dos homens mais poderosos da Rua Fleet (associada aos grandes veículos de imprensa britânicos) que "não somos os únicos cães ruins na rua", de acordo com um relato de Dacre à sua equipe de gestão. O porta-voz de Murdoch não respondeu a pedidos de comentário sobre suas conversas privadas.
Ex-executivos da empresa e ex-assessores políticos afirmam que os executivos da News International realizaram uma campanha de vazamentos seletivos implicando a gestão anterior e a polícia. Funcionários da empresa negam isso. A Polícia Metropolitana respondeu com um comunicado alegando que existe uma "campanha deliberada para prejudicar a investigação alegando o pagamento de policiais corruptos por jornalistas corruptos?.
Murdoch participava de uma conferência em Sun Valley, Idaho, no início deste mês, quando ficou claro que o último escândalo de escutas telefônicas não seria como ele primeiro pensou, um problema passageiro. De acordo com uma fonte próxima ao magnata, um executivo sênior propôs que ele pegasse "um voo comercial para Londres" para que fosse visto como um homem do povo. Ele disse que isso seria difícil e chegou à capital britânica em um jato Gulfstream G550 privado.
Inquéritos
A tempestade para a qual Murdoch seguiu estava sendo preparada desde 2006, quando o repórter que cobria a realeza pelo tabloide e um detetive particular foram processados por invadir mensagens pessoais da família real em busca de notícias exclusivas. Durante anos, os executivos da empresa insistiram que aquela postura se limitava a um "repórter desonesto".
Andy Coulson renunciou ao cargo de editor do News of the World após a acusação, mas disse que não sabia de nada. "Se você está falando de escutas ilegais realizadas por um investigador particular, isso não faz parte da nossa cultura em nenhum lugar do mundo, muito menos na Grã-Bretanha", disse Rupert Murdoch em fevereiro de 2007.
Mas acontece que quase desde o início, os executivos da News International, a subsidiária britânica da News Corp. dona do tabloide, tiveram acesso a informações que indicam que outros repórteres também estiveram envolvidos na prática.
A informação veio de milhares de páginas de registros com os nomes de milhares de possíveis alvos de escutas telefônicas que a Scotland Yard apreendeu durante o caso da Família Real britânica na casa do investigador privado, Glenn Mulcaire, que trabalhava para o tabloide. Embora a polícia tenha em grande parte limitado suas investigações à realeza, os advogados que representavam pessoas que acreditavam ter sido vítimas de escutas telefônicas lutaram para ter acesso aos registros de Mulcaire e os mostraram a executivos do tabloide durante o processo judicial.
Nos primeiros casos, a News International viu documentos nomeando outros jornalistas, de acordo com os detalhes dos casos obtidos pelo jornal americano The New York Times. Anotações nos arquivos de Mulcaire incluem os nomes "Ian" e "Neville", em aparente referência ao editor de notícias, Ian Edmondson, e ao repórter-chefe, Neville Thurlbeck.
James Murdoch, que supervisiona as operações da News Corp na Europa e Ásia, fechou um acordo de 700 mil libras (cerca de R$ 1,77 milhão ) com Gordon Taylor, líder do sindicato de futebol que foi o primeiro a processar a empresa. Uma condição do pagamento foi a confidencialidade.
Neste mês, James Murdoch reconheceu que estava errado em resolver o processo com um acordo, dizendo que ele não "tinha conhecimento completo do caso" no momento.
Brooks pessoalmente persuadiu Max Clifford, um publicitário de celebridades, a retirar seu caso da justiça em troca de uma compensação ainda maior, disse Clifford. Ele foi pago para fornecer dicas para o jornal - um acordo que ele disse ter totalizado 1 milhão de libras (R$ 2,5 bilhões). Além dos arquivos Mulcaire, outra provável fonte de informação sobre a prática de escutas telefônicas adotada pelo News of the World são os emails internos.
Mesmo enquanto enfrentava uma enxurrada de reclamações nos últimos anos, a News International reconheceu não ter tomado todas as medidas necessárias para preservar emails que pudessem conter indícios da prática de escutas telefônicas até o outono passado. Quando o News of the World mudou sua sede no fim do ano passado, o computador usado por Edmondson foi destruído no que a empresa descreve como um procedimento padrão.
A empresa afirmou em tribunal que grande quantidade de seus emails entre 2005 e 2006 - no auge da prática de escutas telefônicas - havia sido perdida. Funcionários da empresa culparam incompetência, e não conspiração, pela perda.
Informações
A News International posteriormente reconheceu que algumas mensagens podem ser recuperadas de discos de backup, e a polícia está tentando recuperar essa informação agora, disse Tom Watson, parlamentar do Partido Trabalhista.
No ano passado, um especialista em computação forense disse que a empresa contratou para ajudá-lo a cumprir uma ordem judicial de entrega de documentos fez uma descoberta surpreendente: três emails enviados a Edmondson contendo senhas que permitiam o acesso a correios de voz, bem como nomes e números de telefone, disse um funcionário.
O jornal demitiu Edmonson e entregou os emails para a polícia. Os emails foram um fator importante na decisão de abrir um inquérito sobre a prática de escutas telefônicas pela Scotland Yard, de acordo com a líder da investigação Sue Akers. Edmondson passou perguntas para seu advogado, que não respondeu.
Em abril, a polícia prendeu Edmondson, juntamente com Thurlbeck. Poucos dias depois, a News International emitiu um pedido de desculpas dizendo: "É agora evidente que nossas investigações anteriores não conseguiram descobrir evidências importantes."
A News International há anos disse que uma investigação interna em 2007 mostrou que a prática de escutas telefônicas não era generalizada, mas entrevistas recentes com os funcionários da empresa indicam que o inquérito tinha um propósito diferente. Ele foi destinado a defender a empresa de uma ação movida por Clive Goodman, setorista da Família Real do tabloide e que havia sido demitido por fazer uso de escutas telefônicas. Ele alegou que a demissão foi injusta, porque os outros faziam o mesmo com conhecimento da chefia.
Colin Myler, que sucedeu Coulson como editor do News of the World, disse ao Parlamento em 2007 que a News International havia entregue até 2.500 emails para o escritório de advocacia Harbottle & Lewis, que a empresa havia retido. Em uma carta ao Parlamento na época, a empresa disse que não encontrou nada nos emails que sugerisse ligação de seus três principais editores - Coulson, Neil Wallis e Edmondson ? à prática de escutas telefônicas.
Mas um funcionário da empresa falando sob condição de anonimato, disse que os 2,5 mil emails dado à empresa estavam relacionados apenas com Goodman e representavam apenas uma pequena parte do tráfego de email da empresa.
Desde que a Scotland Yard começou sua nova investigação em janeiro, com acesso a mais documentos internos, todos os três editores, que já não trabalham no jornal, foram presos. Dois funcionários da empresa disseram que o inquérito interno de 2007 foi de fato supervisionado por Les Hinton, então presidente-executivo da News International e que pediu demissão na sexta-feira de seu cargo de presidente-executivo da Dow Jones. Hinton disse ao Parlamento em 2007 que Myler "analisou milhares de emails?. Mas Myler não recebeu acesso direto aos emails, segundo funcionários da companhia. Hinton não respondeu a uma mensagem, mas em uma declaração anunciando a sua demissão, ele disse que "ignorar o que aparentemente aconteceu?.
Enquanto os emails analisados no inquérito interno em 2007 não mostraram nenhuma evidência direta de escutas telefônicas, de acordo com três funcionários da empresa eles contêm sugestões de que Coulson pode ter autorizado pagamentos à polícia para obter informações. Ainda assim, a News International entregou os documentos à polícia nos últimos meses, levando a mais uma investigação, desta vez sobre o possível suborno policial.
Não está claro quem na News International viu os emails em questão, ou se o escritório de advocacia o selecionou. A empresa, citando obrigações de confidencialidade com seu cliente, recusou-se a comentar a questão, assim como a News Corp.
Mais recentemente, conforme os processos judiciais e as detenções se acumulavam, a dissenso cresceu dentro da News International, como mostram algumas entrevistas.
Depois que Edmondson foi demitido e preso, Brooks pressionou para que a ele fosse paga uma bolsa mensal, de acordo com uma pessoa com conhecimento da operação. Depois de um desacordo interno, os pagamentos foram transferidos do orçamento da redação para a News International.
A empresa colocou outros jornalistas em licença remunerada após a sua prisão, alegando que eram inocentes até que se provem culpados, segundo um porta-voz da companhia. Em meados do ano passado, os advogados da News International e alguns executivos pediam que a empresa aceitasse alguma responsabilidade, disseram dois funcionários com conhecimento direto do caso. Brooks discordou, de acordo com três pessoas que descreveram o debate interno. "Seu comportamento ao longo de todo o escândalo tem sido resistir, resistir, resistir", disse um funcionário da empresa.
Escândalo
Ao longo dos últimos meses, Brooks liderou uma estratégia que parecia destinada a difundir a culpa na Rua Fleet, segundo entrevistas. Diversos ex-jornalistas do News of the World disseram que ela lhes pediu para desenterrar evidências da prática de escutas telefônicas. Um deles disse em uma entrevista que o alvo de Brooks não era o seu próprio jornal, mas seus rivais.
Dacre, o editor do Daily Mail, disse a seus gerentes seniores que havia recebido diversos relatos de celebridades, empresários, jogadores de futebol e agências de relações públicas de que dois executivos da News International, Will Lewis e Simon Greenberg, haviam encorajado investigar se seus telefones haviam sido grampeados pelos jornais do Daily Mail.
"Eles achavam ser injusto que todo o foco estivesse no News of the World", disse um oficial do News International com conhecimento do esforço. Os dois homens disseram a colegas que não fizeram tais ligações, mas dois funcionários da empresa contestam a afirmação.
Dacre confrontou Brooks no café da manhã no Hotel Brown. "Você está tentando derrubar toda a indústria", disse a ela a Dacre, de acordo com um relato que ele retransmitiu para sua equipe de gestão.
Brooks, cuja tenacidade é lendária, não se intimidou. Em um jantar, Lady Claudia Rothermere, a esposa do bilionário dono do Daily Mail, ouviu Brooks dizer que o Daily Mail era tão culpado quanto o News of the World. "Nós não agimos fora da lei", disse Rothermere, de acordo com duas fontes que estavam presentes. Brooks perguntou quem Rothermere achava que era, "Madre Teresa?"
O escândalo que ardeu durante anos foi inflamado este mês com a notícia de que o tabloide havia invadido as mensagens telefônicas de Milly Dowler, uma menina de 13 anos desaparecida que foi posteriormente encontrada morta. Brooks, que foi editora do News of the World durante a escutas telefônica de Dowler, emitiu um pedido de desculpas, dizendo que ficaria horrorizada "se as acusações fossem verdadeiras".
Na últimas duas semanas, uma série de vazamentos atingiu outros meios de comunicação britânicos que pareciam ter como intenção transferir a culpa da News International para Coulson e a Polícia Metropolitana. De acordo com assessores de políticos e executivos da News Corp., o mais provável vazamento veio de dentro da empresa.
Vazamentos para o Sunday Times, a BBC, e o ex-empregador de Greenberg, o jornal The London Evening Standard, deram detalhes dos supostos pagamentos feitos por Coulson à polícia e culparam a gestão anterior da News International.
Greenberg não respondeu diretamente a pedidos de comentários. Mas um porta-voz da News International passou aos repórteres uma declaração de Akers, o chefe da investigação policial, elogiando ele e Lewis pela cooperação com a polícia.
A Polícia Metropolitana disse estar "extremamente preocupada" de que a liberação de informações selecionadas "conhecidas por um pequeno grupo de pessoas" presentes nas reuniões entre a News International e a polícia "possa ter um impacto significativo na sua investigação de corrupção?.
Na semana passada, Rupert Murdoch disse ao Wall Street Journal que a News Corp. havia lidado com a situação "extremamente bem em todas as frentes possíveis", com exceção de alguns "pequenos erros".
No fim de semana, conforme Murdoch era treinado para enfrentar o Parlamento nesta terça-feira por uma equipe de advogados e especialistas em relações públicas, um anúncio de página inteira da News Corp. apareceu em todos os grandes jornais britânicos. "Lamentamos", dizia.
*Por Jo Becker e Ravi Somaiya

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